SDO Moçambique

A profissão de Recursos Humanos (RH) tem sido tratada como um espaço periférico dentro de muitas organizações em Moçambique, muitas vezes relegada a um papel administrativo e secundarizado nas decisões estratégicas. No entanto, a natureza crítica do trabalho com pessoas, a complexidade das relações laborais e o impacto directo das práticas de RH na produtividade, na saúde emocional dos colaboradores e no sucesso das empresas exige uma nova abordagem. Uma abordagem mais ética, mais humana, mais profissional e, sobretudo, mais regulada.

Por isso, propomos um debate sobre a criação de uma Ordem dos Profissionais de Recursos Humanos de Moçambique (OPRH).

A criação de ordens profissionais em diversos países e sectores tem sido um instrumento eficaz de regulação, valorização e profissionalização de áreas sensíveis ao bem-estar colectivo. Poderíamos tomar o exemplo da SHRM – Society for Human Resources Management, dos Estados Unidos, e da CIPD – Chartered Institute of Personnel and Development, do Reino Unido. As Ordens servem para garantir que os profissionais que actuam em determinado campo sigam princípios éticos, padrões de qualidade e possuem competências mínimas verificáveis para o exercício das suas funções.

No caso dos Recursos Humanos em Moçambique, encontramos pelo menos quatro razões para avançar nesta direcção:

1º Falta de valorização estratégica da área

Ainda há um número significativo de empresas que alocam aos Recursos Humanos profissionais que falharam noutras áreas, como forma de “compensação” ou para evitar a demissão. Este fenómeno reflecte uma visão distorcida do sector: vê-se o RH como uma função de segunda linha, onde qualquer um pode ser colocado. Isso tem como consequência directa a precarização do sector e a perpetuação de práticas inadequadas, ineficientes e, muitas vezes, desumanas.

Práticas e condutas antiéticas no exercício da profissão

Existem relatos frequentes de profissionais de RH que actuam de forma desumana e até ilegal, muitas vezes sob ordens do patronato, mas outras vezes por vontade própria, como forma de agradar à gestão superior. São exemplos disso, a manipulação de processos disciplinares, a pressão psicológica sobre trabalhadores, ou mesmo o aconselhamento da empresa a agir à margem da lei para evitar encargos laborais. Uma Ordem ajudaria a estabelecer códigos de conduta e deontologia profissional, punindo práticas nocivas e promovendo uma cultura de integridade.

3º Lacunas técnicas graves na actuação prática

Profissionais de RH com responsabilidades de gestão de centenas de trabalhadores demonstram, por vezes, desconhecimento de ferramentas e processos básicos da profissão: não sabem instaurar um procedimento disciplinar conforme a lei, não elaboram planos de sucessão ou de desenvolvimento de talentos, desconhecem o funcionamento de instrumentos como entrevistas de saída, planos de formação, avaliações de desempenho, para além do desconhecimento da legislação laboral. A Ordem permitiria definir um nível mínimo de conhecimentos e competências, estabelecendo um exame de admissão à profissão e promovendo formações obrigatórias contínuas.

4º Exclusão dos profissionais de RH dos processos legislativos

Na revisão ou produção da legislação laboral, estão representados os empregadores (por via da CTA) e os trabalhadores (via sindicatos). Faltam os especialistas: os próprios profissionais da área de RH. Ter uma Ordem permitiria integrar tecnicamente os RH nos processos de produção legislativa, oferecendo subsídios profissionais, estatísticas e posicionamentos baseados na prática real, o que contribuiria para uma legislação mais justa, aplicável e equilibrada

Formação não define a profissão

A proposta da Ordem não exige que o profissional de RH tenha uma formação universitária específica. Profissionais com formação em psicologia, sociologia, administração, direito, economia ou outras áreas afins podem actuar em Recursos Humanos, desde que passem por um processo de credenciação, que envolva um exame nacional, uma verificação de experiência prática e compromisso com o código deontológico da profissão.

Naturalmente, haveria disposições transitórias, permitindo que os profissionais já em exercício obtenham a carteira sem necessidade de exame, ficando, no entanto, sujeitos às regras gerais da profissão.

A Ordem dos Profissionais de Recursos Humanos seria a entidade certa para vincular os profissionais da área à WFPMA – World Federation of People Management Association.

Regulamentar a profissão de Recursos Humanos em Moçambique não é apenas uma questão de orgulho profissional. É uma necessidade estratégica nacional, com impacto directo na produtividade das empresas, na dignidade dos trabalhadores, na justiça social e no desenvolvimento sustentável.

Importa ainda referir que, nos dias actuais, há quem questione a própria longevidade da função de Recursos Humanos, antevendo a sua eventual extinção com o avanço da Inteligência Artificial e da automação de processos organizacionais.

Essa visão, embora pertinente nos debates sobre o futuro do trabalho, levanta preocupações legítimas sobre a pertinência de se criar uma Ordem para profissionais de uma área cuja existência estaria, na teoria, em risco. No entanto, acreditamos que esta é uma realidade ainda distante do contexto moçambicano.

Em Moçambique, a função de Recursos Humanos continua a ser desempenhada de forma predominantemente manual e altamente relacional, especialmente em pequenas e médias empresas, onde o contacto humano, o conhecimento da realidade local e a capacidade de adaptação cultural são fundamentais. Acresce ainda que, no país, a tendência de exploração ou de aproveitamento da ignorância dos colaboradores por parte de certos patronatos ainda é notória e preocupante.

Este cenário reforça, de forma clara, a importância de se manter e fortalecer a função de Recursos Humanos como um mecanismo de equilíbrio, justiça e proteção nas relações laborais, razão pela qual a sua regulamentação e valorização por via de uma Ordem profissional se torna ainda mais urgente e necessária.

Ter uma Ordem é ter responsabilidade. É dizer que, quem gere pessoas, precisa estar à altura da complexidade, sensibilidade e poder que essa função carrega.

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Vicente Sitoe

Executive Director | Partner

Categorias: Artigos

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